O destempero e o esforço para fazer a
filmagem das rodas em movimento, serviram ao menos para que Mateus extravasasse toda
a sua raiva. Agora aliviado, volta ao seu lugar disposto a esquecer tanta aperreação.
Mas não consegue. Sente nova vibração na bunda, é novamente uma mensagem no
celular. E supondo se tratar de novo texto de Carla, resolve ignorar.
E parece que deu certo, o celular não toca
mais. Mateus se acalma completamente e passa a resenhar com seus amigos. Porém,
a paz de nosso ídolo é interrompida mais uma vez, o período sem ligações foi
porque o ônibus passou por um trecho sem sinal de telefonia (Carla não desiste
fácil), e no celular ouve-se agora a voz de Dinho dos Mamonas (finalmente uma
música boa):
“abra sua meeeeentteeeeeeeee
Mateus também é geeennteee”
Mateus atende ao celular, e antes de mandar sua
irmã ir tomar no cu ouve ele (e os outro passageiros também), um grito agudo e
estridente:
- Mateeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeuusssss.
- Dizeis ondes estaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiissssssssssssss;
- Dizeis se estais viiiiiiiiivoooo? Dizeis se estais no céu, no inferno
ou no purgatório?
Os berros de Carla foram tão intensos que
racharam as janelas do ônibus, e até hoje não sabemos se ouvimos o grito pelo
celular ou diretamente de Carla, que estava a 6 quilômetros de distância.
As indagações da irmã, Mateus não respondeu.
Enquanto uma fumacinha saia de seus ouvidos, ele desligou o celular e o guardou
no bolso.
Ciente que seu irmão estava momentaneamente
surdo, Carla lhe envia nova mensagem pelo celular, que Mateus, ainda atordoado,
recebe e lê: “Mateus venha logo”.
Um minuto depois, Mateus, e nos outros, já
refeitos da surdez, ouvimos Julio Englesias:
“Manoelaaaaaaaaaaaaa,
Manoelaaaaaaaaaaaaa
Manoelaaaaaaaaaaaaaa”
Agora nosso herói esta disposto a não
atender. Julio insiste em sua cantiga por dois minutos, mas a música é muita
chata e em uníssono os passageiros do ônibus exigem:
- ATENDE ESTA PORRA MATEUS!
Pedido atendido prontamente por
ele:
- Alô?
- Mateeeeeeeeeeeeeeeeeuuuuuuusssssss.
- Carla, por favor (snif, snif), eu já disse que estou chegando.
Aos prantos Mateus desliga.
“eu gosto de São Paulo
Gosto de São João
Gosto de São Francisco
De são Sebastião
E eu gosto de meninos e meninas”
(Legião Urbana! Tava demorando!)
Ainda chorando nosso amigo atende:
- Carla tou no contorno.
Desliga.
“eu tive um amor
Amor tão bonito
Daqueles que marcam
Com sabor de saudades”
(aaaaaaaaaaêêêêê! Amadão!!!!!!!!!!!!)
- Ca ... (snif) Car... (snif) Carla, já tou em Irecê, o ônibus está
passando perto do colégio modelo.
Desliga.
“se seu coração tem buraquinhos
Juntos nos podemos ajudar...”
(baixou o nível, chiquititas de novo!)
- Carla acabei de descer do ônibus. Em cinco minutos estou em casa.
- Ta certo Teu. Não demore.
O fato de já estar em Irecê representou para
Mateus a perspectiva de que sua irmã não ligaria mais, e que ele finalmente
teria a oportunidade de resenhar com seus amigos sobre os ocorridos da festa. Mas
isto não aconteceu:
“Nega do cabelo duro
Que não gosta de pentear
Quando passa na porta do clube
O negão começa a gritar”
(ele não podia ficar de fora: Luiiiiiiiiiiizzzz Caldaaaaaaaaaaaassss!)
Essa foi demais para Mateus, só podia ser uma
perseguição dos deuses, quando finalmente achou que sua irmã o deixaria em paz,
eis que o celular novamente se manifesta e usa como toque uma música de Luiz
Caldas, aquele em que jamais irá a um show e que tantas más recordações lhe
trazem.
Irascível Mateus atende o seu celular pela
derradeira vez:
- JÁ TOU INDO PORRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!
Ato contínuo, com as duas mãos ergue o
celular o mais alto que pode, e com toda a força de sua ira, atira o aparelho no
chão, que se espatifa em mil pedaços. Ainda irascível, sapateia e esperneia ao
redor dos destroços, enquanto geme (hãm, ham, oh, ham, porra Carla) e chora.
Ainda falta algo, sua ira precisa ser
extravasada Mateus recua alguns passos, se agacha, dá uma gemida (õõõõnnn), dá
uma corridinha como Roberto Carlos, e desfere potente chute nos destroços do
aparelho. E que bela batida! Fez inveja aos maiores cobradores de falta de
todos os tempos. O chute de Mateus teve a potência de Rivelino, a precisão de
Marcelinho Carioca, o alcance Juninho Pernambucano, subia a bola (digo os
cacarecos dos celular) numa trajetória elíptica, como a folha seca de Didi, indo
morrer no alto da casa Pimentel.
Mas, durante o percurso dos restos mortais do
celular, os cacarecos que o compunham, não se sabe como, se uniram e
manifestaram pela última vez sua funcionalidade:
-
Goooooooooooooooooooooooooooolllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll
do Vascão! Roberto Dinamite em uma cobrança de falta espetacular coloca o
Cruz-Maltino na frente.
Mateus tinha salvo no celular a narração do
gol do título brasileiro de 74, um arquivo raro, que deu muito trabalho para
encontrar, agora nada mais resta, a não ser:
“chorar
e chorar,
chorar
e chorar,
chorar e chorar,
a morte de celular”
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