sexta-feira, 30 de agosto de 2013

TELEFONEMAS DE CARLA - II




O destempero e o esforço para fazer a filmagem das rodas em movimento, serviram ao menos para que Mateus extravasasse toda a sua raiva. Agora aliviado, volta ao seu lugar disposto a esquecer tanta aperreação. Mas não consegue. Sente nova vibração na bunda, é novamente uma mensagem no celular. E supondo se tratar de novo texto de Carla, resolve ignorar.
E parece que deu certo, o celular não toca mais. Mateus se acalma completamente e passa a resenhar com seus amigos. Porém, a paz de nosso ídolo é interrompida mais uma vez, o período sem ligações foi porque o ônibus passou por um trecho sem sinal de telefonia (Carla não desiste fácil), e no celular ouve-se agora a voz de Dinho dos Mamonas (finalmente uma música boa):

abra sua meeeeentteeeeeeeee
Mateus também é geeennteee

Mateus atende ao celular, e antes de mandar sua irmã ir tomar no cu ouve ele (e os outro passageiros também), um grito agudo e estridente:
- Mateeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeuusssss.
- Dizeis ondes estaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiissssssssssssss;
- Dizeis se estais viiiiiiiiivoooo? Dizeis se estais no céu, no inferno ou no purgatório?
Os berros de Carla foram tão intensos que racharam as janelas do ônibus, e até hoje não sabemos se ouvimos o grito pelo celular ou diretamente de Carla, que estava a 6 quilômetros de distância.
As indagações da irmã, Mateus não respondeu. Enquanto uma fumacinha saia de seus ouvidos, ele desligou o celular e o guardou no bolso.
Ciente que seu irmão estava momentaneamente surdo, Carla lhe envia nova mensagem pelo celular, que Mateus, ainda atordoado, recebe e lê: “Mateus venha logo”.

Um minuto depois, Mateus, e nos outros, já refeitos da surdez, ouvimos Julio Englesias:

Manoelaaaaaaaaaaaaa,
 Manoelaaaaaaaaaaaaa
Manoelaaaaaaaaaaaaaa

Agora nosso herói esta disposto a não atender. Julio insiste em sua cantiga por dois minutos, mas a música é muita chata e em uníssono os passageiros do ônibus exigem:
- ATENDE ESTA PORRA MATEUS!
 Pedido atendido prontamente por ele:
- Alô?
- Mateeeeeeeeeeeeeeeeeuuuuuuusssssss.
- Carla, por favor (snif, snif), eu já disse que estou chegando.
Aos prantos Mateus desliga.

eu gosto de São Paulo
Gosto de São João
Gosto de São Francisco
De são Sebastião
E eu gosto de meninos e meninas
(Legião Urbana! Tava demorando!)

Ainda chorando nosso amigo atende:
- Carla tou no contorno.
Desliga.

eu tive um amor
Amor tão bonito
Daqueles que marcam
Com sabor de saudades
(aaaaaaaaaaêêêêê! Amadão!!!!!!!!!!!!)

- Ca ... (snif) Car... (snif) Carla, já tou em Irecê, o ônibus está passando perto do colégio modelo.
Desliga.

se seu coração tem buraquinhos
Juntos nos podemos ajudar...”
(baixou o nível, chiquititas de novo!)

- Carla acabei de descer do ônibus. Em cinco minutos estou em casa.
- Ta certo Teu. Não demore.
O fato de já estar em Irecê representou para Mateus a perspectiva de que sua irmã não ligaria mais, e que ele finalmente teria a oportunidade de resenhar com seus amigos sobre os ocorridos da festa. Mas isto não aconteceu:

Nega do cabelo duro
Que não gosta de pentear
Quando passa na porta do clube
O negão começa a gritar
(ele não podia ficar de fora: Luiiiiiiiiiiizzzz Caldaaaaaaaaaaaassss!)

Essa foi demais para Mateus, só podia ser uma perseguição dos deuses, quando finalmente achou que sua irmã o deixaria em paz, eis que o celular novamente se manifesta e usa como toque uma música de Luiz Caldas, aquele em que jamais irá a um show e que tantas más recordações lhe trazem.
Irascível Mateus atende o seu celular pela derradeira vez:
- JÁ TOU INDO PORRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!
Ato contínuo, com as duas mãos ergue o celular o mais alto que pode, e com toda a força de sua ira, atira o aparelho no chão, que se espatifa em mil pedaços. Ainda irascível, sapateia e esperneia ao redor dos destroços, enquanto geme (hãm, ham, oh, ham, porra Carla) e chora.
Ainda falta algo, sua ira precisa ser extravasada Mateus recua alguns passos, se agacha, dá uma gemida (õõõõnnn), dá uma corridinha como Roberto Carlos, e desfere potente chute nos destroços do aparelho. E que bela batida! Fez inveja aos maiores cobradores de falta de todos os tempos. O chute de Mateus teve a potência de Rivelino, a precisão de Marcelinho Carioca, o alcance Juninho Pernambucano, subia a bola (digo os cacarecos dos celular) numa trajetória elíptica, como a folha seca de Didi, indo morrer no alto da casa Pimentel.
Mas, durante o percurso dos restos mortais do celular, os cacarecos que o compunham, não se sabe como, se uniram e manifestaram pela última vez sua funcionalidade:

- Goooooooooooooooooooooooooooolllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll do Vascão! Roberto Dinamite em uma cobrança de falta espetacular coloca o Cruz-Maltino na frente.

Mateus tinha salvo no celular a narração do gol do título brasileiro de 74, um arquivo raro, que deu muito trabalho para encontrar, agora nada mais resta, a não ser:

 “chorar e chorar,
 chorar e chorar,
chorar e chorar,
a morte de celular”

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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

MINHA SINGELA COLABORAÇÃO

Como fã ardoroso deste blog ao qual sou protagonista de todos posts, venho cá colaborar pro enriquecimento deste: são dois contos meus ao qual a persona acaba sendo meu próprio alter-ego, época "pré-bubuzianas" ao qual era um completo e tremendo cabaço (rsrsrsr). Desde já agradecendo sempre a homenagem recebida. Abraços pra todos !!! 


VERSÃO DOIS DO MOMENTO UM

Típico programa dominical, aparece atenuante figura:
- Ôêêê, começamos mais um “Namorico na TV”... É com você, Bombardim !!!
Após os reclames, aplausos. Um contra-regra me empurra, adentro o palco. Mais aplausos... O apresentador me cumprimenta e diz:
- Mas você é o Amadeus, certum ?!
Logo percebo que há um crachá em minha lapela, escrito meu nome em letras garrafais.
- Mas meu filho é mudum ?! – comenta o sujeito de cabelos entopetado e acaju. O público ri.
- Nã... não...
- Então você está aqui atrás duma namorada, certum ?!
Sorrio amarelo.
- Mas diga: tá ou não ?!
Apenas confirmo com o balançar de cabeça...
- Vejo que o garoto é tímido, não é publícum ?!
Em uníssono, a plateia responde um “sim” cheio de “is”...
- Mas, sente, sente...
Há um sofá enorme, em formato de coração... Sento-me nele. O animador fica ao meu lado. Olho para o auditório, uma placa no teto acende em neon, com os dizeres “silêncio”...
- Repito: você tá atrás dum grande amor, estou certum ?!
- Tou sim, seu Mílvio Mantos...
- Você não tá conseguindo arranjar namoradas no mercado, meninum ?!
O público ri. Uma espécie de coreógrafo tenta acalmá-los...
- Não, seu Mílvio Mantos... Tá fácil não...
- Mas você se esforça ao menuns ?!
- Eu tento, seu Mílvio...
- Sem sucessum ?!
- Assim, vez em quando eu até bico aqui ou ali... Mas nunca pinta nada sério...
- Sei, sei... Mas qual é o problemam ?! Você até que não é um rapaz de se jogar foram...
- Acho que o problema é que sou muito eu, saca ?! As mulheres não me agüentam por mais de quatro horas !!!
- Certo, certo... Mas vejo aqui nas minhas fichas que você está interessada numa rapariga, corretum ?!
- É, é sim...
- O nome dela é Anna Lud, estou certum ?!
- Tá sim, seu Mílvio...
- E ela é muito bonitam ?!
- “Elas”, o senhor quer dizer...
- Como assim “elas” ?!
- Elas, tipo... Ah, chama aí que o senhor vai entender...
- Ai, ai... O mocinho sabe que bigamia é crime no Brasil, não ém ?!
Mais risos de velhas gordas e jovenzinhas em faniquitos...
- Bem, bem... Que entre então “as” Anna Lud !!!
E logo os aplausos dão lugar à reações de espanto. Mílvio Mantos não se contem:
- Mas são gêmeas siamesas ?!
Anna Lud – ainda sem me vê – cumprimenta o comunicador, apertando-lhe as mãos...
- Acho que a primeira vez que vejo uma coisa destam...
- Ah, existe primeira vez pra tudo né... – diz apenas uma das cabeças.
- É verdade, é verdade... Mas, mas... Você nem imagina que tá de flerte contigum ?!
- Ai, sei não, seu Mílvio...
- Nem desconfiam ?!
- Não, não... Tou curiosíssima pra saber !!!
- Teria alguém que você gostaria que fossem ?!
- Ah, tem vários... Não sendo o insosso do Amadeus, de resto tá ótimo...
- (ri) Certum, certum... Mas, (ri com mais força) antes de vermos quem é o mentecapto, me mate uma curiosidade: neste tempo todo, vocês nunca quiseram se separar ?!
- Ai, seu Mílvio, aproveitando o espaço me dado, eu queria pedir pro senhor...
- Mas você está confundindo os programas. Aqui não é o “Porteira da Esperança” !!! Vamos logo, venha ver quem é aquele que tento o quer, venham...
Anna Lud se aproxima, Suo frio nas mãos... Finalmente ela me vê:
- Amadeus, não acredito...
Respondo com um inaudível “oi”.
- Não acredito que é você... – diz, sentando-se ao meu lado...
- Pois é, pois é...
- Cara, você é louco mesmo. Eu já não te disse que entre a gente não rola nada ?! O que você pretende afinal ?! Me matar de vergonha em rede nacional ?! - Neste momento as duas cabeças falam ao mesmo tempo, entrando em total desconexo.
- Mas, Anna Lud... Eu gosto de vocês de verdade, é amor...
As gêmeas entram em acordo e uma delas começa o sermão:
- Amadeus, cara... Eu já disse que meu carinho por você é de irmã, de amiga... Não há e nunca haverá atração sexual entre a gente. Por favor, não subestime minha lucidez !!!
Fico quieto, como se querendo esconder minha alma na parte mais abissal de meu corpo...
- Você é sem graça, sem vaidades, fraco, tolo... Como amigo assexuado você serve que é uma beleza, mas como namorado...
- Não, nem fale... Eu até já sei como vai terminar seu discurso: “Você um dia vai encontrar...”
- “Encontrar alguém...”. É, é isto mesmo que eu penso, já te disse. Você vai ter uma garota massa, que te ame mesmo, é só ter paciência... Vai ser qualquer uma, menos euzinha aqui...
- E por quê você tira o seu da reta ?! Por que não pode ser você, hein ?!
- Ah, Mate... digo, Amadeus... Vou bater na tecla mil vezes de novo: não sou eu porque não sou eu e ponto !!! (neste momento a platéia grita um “ahhhh” de condolência...)
Resmungo qualquer coisa, soco uma das mãos na outra palma... Mílvio Mantos então entra:
- Mas, Anna Lud...é Anna Lud, né ?!
- È sim, seu Mílvio...
- Então, então... Anna Lud, dê uma chance pro nosso amigo Amadeusum ?!
- Pôxa, seu Mílvio... Não deseje uma desgraça desta pra mim não... Amadeus é um puta cara gente fina, mas não serve sexualmente pra mim...
- Mas, mas... Veja a cara do meninum... Ele tá em chorum... O que o auditório acha: dá uma chance pra ele ou não dáam ?!
Centenas de vozes femininas gritam um “dá”, seguidos duma alternância de “dê uma chance, dê uma chance...”. As cabeças de Anna Lud já não sabem pra onde olhar, uma tentando querer esconder a vergonha da outra... Eu, no meu canto, digo num quase grito:
- Eu só quero uma explicação plausível, Anna Lud...
- Mais plausíveis do que as que lhe dou, Amadeus ?! Cara, ai, ai...
O coro de “dá uma chance” aumenta ferozmente. O “patrão” faz um sinal, logo entendido pelo coreógrafo de palco, que exige silêncio num só gesto.
- Bem, bem... Não podemos forçar a menina a escolher o que ela não deseja, corretum ?!
Passo a mão por dentro do meu colete. Uma grata surpresa pra todos, certamente...
- Assim sendo – continua Mílvio – só posso lhe desejar boa sorte, Anna Led...
- É Lud, Mílvio, Anna Lud...
- Ah, certum, certum... Boa sorte, receba esta lembrancinha do programa e boa sorte pra vocêm... – e Mílvio Mantos grita, sempre com vogais hiperbólicas – Broque !!!
Logo aparece um sujeito, que entrega um buquê de flores pras gêmeas. Quando ia me levantando, o apresentador me segura pelo braço e me desce com força para o enorme puff.
- Espere um pouco, Amadeusum... Me comovi de verdade com sua situação. Quero lhe ajudar a encontrar a outra goma da sua tangerinam... Tou pensando aqui, vai ser algo inédito no programam... Tem um quadro onde uns rapazinhos ficam olhando umas mocinhas por uns binóculos, você deve conhecer, não ém ?! Pois então... Vou lhe dar mais uma chance de encontrar o amor, se você quiser, é clarum... Você tem apelo popular, nosso ibope vai subir que é uma belezam !!! Por favor, aceite participar deste quadro tambéem...
Cortejo então a proposta, mais uma vez a platéia incendeia com seus gritos de “aceita, aceita...”
- Bem, tudo bem então... – digo, concordando.

Seguem-se as gravações, agora estou num dos cantos do estúdio. Há uma patota de uns oito garotos, todos munidos de binóculos azulados e exalando feromônios por todo lado. Antípoda a isto se vê um grupo feminino, igualmente de binóculos – estes, cor de rosa – e com um sorrisinho maroto e fuxicos inocentes a cada resposta do grupo alheio. Não me sinto nada a vontade, contudo tento fixar olhos em alguma garota. Algumas são até bonitas, dariam ótimas namoradas certamente... Como não estou muito bonitinho para escolhas, opto por alguma que esteja correspondendo ao meu ataque. Bixo, acredite: nenhuma me olha com maiores interesses.
Então Mílvio Mantos pede uma música de fundo. Rola um Núlio Iglesias das antigas, os rapazes dirijam-se em direção às moças do outro lado. Demoro pra ficha cair, mas sigo a direção dos caras... Cada um procura seu flerte combinado, vou cambaleando e sendo jogado de lado, empurrado com asco de um lado para outro, até que pela graça do número par de presentes, sou glorificado com uma mina que fica no vácuo, quiçá torcendo para que eu não a percebesse...
Então chamo-a para dançar. Ela aceita – parece que era contratual: ela não podia recusar dança à um participante... Bailamos, eu ainda tímido, ela a olhar para um outro camarada. Num certo momento, quando já estava me preparando para o xaveco, ela antecipa-se e diz ao meu ouvido:
- Nem cogite esperanças, que eu não vou lhe aceitar em namoro não, valeu ?!
Aquilo me brochou de imediato. Pensei em retrucar, querer saber o porquê daquela decisão...
- Bem, tudo bem então... Bôra continuar a dançar só por burocracia, né ?!
Ela concorda e logo a música pára, as luzes se acendem, Mílvio Mantos se aproxima... Começa a fazer a enquete de quem namora quem, sempre pedindo os palpites adivinhatórios da platéia... Seguro a mão daquela garota, apenas por trâmites do programa, algo frio... Mílvio nos deixa propositadamente por último. Muitos casais depois, troca de parceiras e afins, continuo segurando a mão daquela da qual sei que me dará um fora monumental...
- E finalmente chega Amadeus...
Aplausos efusivos ecoam pelo estúdio.
- Então você conversou bastante com esta garota ?!
Acanhado, respondo com gestos, o que motiva risos entre todos... Mílvio prossegue com o qüiproquó, cheio de piadinhas e tiradinhas sacanas. Ambos queríamos uma definição praquilo logo... Então, finalmente, o apresentador pergunta:
- E aí, minha filha, é namoro ou amizade ?!
- Deste traste eu não quero nem amizade...
Começa então uma saraivada de vaias...
- Mas que é que isto ?! – pergunta Mílvio Mantos – Qual mal este moço lhe fez ?!
- Certamente o de ter nascido no mesmo mundo que eu... Sai pra lá que eu te chuto, macumba !!!
Mais vaias cobrem o local. A moça responde:
- Se vocês defendem tanto este mané, por quê alguma de vocês não namora com ele ?!
Silêncio absoluto... Passo mais uma vez a mão por dentro do colete. Não resisto e tiro-o duma vez: um 38 cromado... Pego Mílvio Mantos pelo pescoço e ponho a arma perto de sua orelha:
- Parados aí que eu mato este esclerosado...
Um batalhão de seguranças se faz em frente. Um cameraman ameaça sair de seu posto...
- Não desliga esta bosta não, senão eu atiro... Falo sério !!!
Todos pedem calma, um dos seguranças – seguramente o chefe deles – tenta negociar...
- Me ouçam: tou com este babaca como refém... E o que quero é simples... Só peço uma namorada bacana, que me queira de verdade... Tou com duas balas nesta porra. Se em dez minutos não aparecer uma mina disposta a me aceitar, eu mato este zé-ruela e depois eu me mato, aqui na frente de todos... – já choramingando – Por favor, não me forcem a fazer o que não quero...
Neste momento o palco é todo escoado, mulheres saindo nervosas, em prantos... O superior entre os policiais propõe que eu desista, que abaixe arma e me entregue. Contudo estou irredutível...
- Uma namorada, moço, é só o que peço...
Nesta hora Mílvio Mantos diz:
- Moço, não peça o impossível. Vamos negociar algo que meu dinheiro possa lhe pagar... Que tal a paz no Oriente Médiom ?! Isto posso conseguir pra vocêm... Ou o fim da corrupção no Brasium ?! É mais fácil e lhe faria bem... Que tal então uma cesta com produtos da linha Muriqui ?!
- Não quero merda de perfumes e creminhos não... Cala a boca, seu velho caquético !!! Quer morrer, quer ?! É só você abrir esta sua bosta de boca... Experimenta pra ver, vá...
Foi no exato momento em que fui alvejado por um tiro fatal, bem no pescoço, o suficiente para deixar o apresentador ileso... O autor do disparo fora treinado na polícia secreta israelita e estava escondido nas coxias do estúdio...


Então me torno herói, um quase santo... Criam-se páginas em redes sociais, algumas com os dizeres “Eu daria uma chance pro Amadeus”, “Amadeus: o namorado perfeito”, “Eu só quero uma namorada – Amadeus Forever”, entre outros... O vídeo com toda esta história fica entre os mais assistidos de todos os tempos, propõem-se construções de obeliscos em minha homenagem, praças levam meu nome de norte a sul deste país, viro um mártir entre os solteirões encalhados, sou estudo em debates acadêmicos, em rodas de conversas antropológicas, cafés filosóficos, palestras de grandes figurões, viro tema de teses, uma nomenclatura científica para certos traumas psicológicos... E, em algumas mesas de bar, um motivo de lamentações etílicas, com garotas se dizendo, no fundo, no fundo, um pouco apaixonadas por mim... 

(2011)

*** 

A PELEJA DE SANTO ANTÔNIO CONTRA O DIABO PELA ALMA DO INFANTE ANTI-HERÓI QUIXOTESCO MATEUS

E assim Mateus leva seu 666º fora naquela festa. Enquanto todos seus amigos mais próximos (sem exceções) se davam bem, ele sai desolado e sabendo que a batalha está devidamente perdida. Ziguezagueando em direção ao portão de saída, ele desabafa consigo mesmo, sempre se cobrando e questionando o porquê daqueles fracassos. É quando lhe aparece a figura dum sujeito estranhamente sedutor, trajando paletó vermelho, gravata e sapatos igualmente rubros, um bigode ralo e um temeroso hálito de enxofre.
- Olá, meu caro amigo. Vejo-lhe tão convalescido... O que houve ?!
Antes que pudesse tecer qualquer resposta, o estranho sujeito indagou:
- É por causa de mulher, aposto... melhor dizendo, pela falta de mulher... ou de grande amor, acertei ?!
E muito antes do “E como você sabe ?!” chegar à sua boca, Mateus pergunta em gaguejo:
- E quem é o senhor, posso saber ?!
- Perfeitamente. Meu nome é Mefis. Mefis Obaid...
Estranhamente, ao pronunciar daquele nome, começou a soar no ar os riffs de “Paranoid”. Não precisava ser um gênio pra saber que banda alguma de pagode oscilaria tão rápido de um grande sucesso popular prum Black Sabbath da pesada...
- Bem, posso lhe arranjar a mulher que você quiser... – ele diz.
Antes que Mateus duvidasse de qualquer proposta, ele adianta:
- Tá vendo aquela mocinha ali ?!
Olha e vê uma gatinha, nível Coperil...
- Pois posso fazer com que ela te dê bola...
O outro dá uma risada de desdém.
- Duvida ?! Pois veja... – e estala o dedo ao ar.
Imediatamente a menina olha pro mancebo, olhar insinuante e insistente. Ela chega a se aproximar, vindo sinuosa, como se hipnotizada... É quando Mefis menciona qualquer coisa. E então a rosa transformou-se em espinhos, o olhar cândido tornou-se nefasto, a repulsão é imediata...
- Viu só ?! Posso lhe conseguir um grande, próspero e perpétuo amor, caso você faça o que eu lhe propor...
O cara então tenta ponderar, sua frio, aquele odor de enxofre fez-lhe começar a questionar certas coisas...
- E o que você quer de mim ?! – pergunta.
Ele dá uma sinistra risada, roça o fino buço com os dedos...
- Quero algo simples, uma coisinha a toa de pouca utilidade em seu vida...
Teme então algum assédio pederasta, mas o interlocutor logo amena:
- Certamente não é isto que você está pensando...
Mateus, a cada momento, fica mais agoniado. As suspeitas tornam-se uma certeza inevitável. O outro rapidamente fecha:
- Vou direto ao ponto: dou a mulher que você desejar em troca de sua alma !!! – e o “sua alma” soa com um trovão, algo que arrepia...
É então que suas premissas se tornam conclusão:
- Hum, bem que desconfiava... a forma repentina que você apareceu, a vestimenta vermelha, este cheiro de enxofre... peraí: eu já li Goethe, já assisti Chapolin Colorado... Este “Mefis” deve ser de Mefistófeles, certamente. E não preciso de nenhum Google ou de algum disco antigo da Xuxa em rotação anti-horária pra perceber que “Obaid” é Diabo ao contrário !!!
- Bem... Diabo é um dos meus nomes, assim como Mefistófeles, Satã, Belzebu, Tinhoso...
Logo o tremelique, o medo... Mateus não sabe o que fazer com as mãos. Se vê então no “Macário”, de Álvares de Azevedo... O Coisa-Ruim então comercializa:
- Basta assinar este contrato e você terá qualquer garota. Pode ser aquela, ou uma Anna qualquer, uma Gabriela, uma Aline, uma Élcia...
Ele então observa as garotas, mendiga um olhar que pudesse evitar uma possível venda de sua essência; nada acontece...
- E você nem precisa perder barriga ou trocar de óculos... só uma assinatura e a Barra do Mendes vai estar ao seus pés !!!
Seduzido por aqueles argumentos, ele pega a caneta oferecida pelo Diabo.
- Bicão ?! Que caneta filha-da-puta é esta ?!
- Perdoe-me, mas é que a pirataria também já chegou no inferno...
Depois deste jocosa piada irônica, ele se prepara para a assinatura. É quando aparece uma terceira figura em cena:
- Pare, Mateus !!! – grita, em voz celestial.
E entra um ser em corte franciscano, menino Jesus a tiracolo e uma pasta entre o bebê e seu braço.
- Santo Antônio ?! – diz Mateus.
- Sim, sou eu. E vim aqui para impedir que você faça esta insensatez. Como é que você cogita vender sua alma ao Diabo ?! Não era mais fácil você ouvir e executar os conselhos dos outros, não ?!
Logo o Capirocho intervem:
- Epa, sem concorrências !!!! Mateusinho aqui é meu cliente, sai pra lá...
O santo então se senta e abre uma espécie de laptop:
- Calma você, Beiçudo !!! Vou tentar salvar a alma desta pobre criatura... (para Mateus) Mateus, Mateus... você e suas pressas... Parcimônia, por favor !!!! Seu dia vai chegar, acredite, vou checar aqui no meu computador, hum... (fixo pro laptop, como se caçando algo. Cantarola em balbuciado.) Pronto, tá aqui: em março de 2048 ela aparece !!!
Mateus e o Mefis se olham.
- Março de 2048 ?! E eu vou esperar isto tudo ?! – questiona a criatura humana da história.
- Pois então, querido... Assinando este contrato você terá agora, imediato, sem este lengalenga todo... – o odor de enxofre torna-se nauseante.
- Mas não é certo. Isto é ateu, vai contra os Preceitos... – em celestial agudo, tornando-se luz em certos momentos.
- Porra, Santo Antônio... – suspiro poético de Mateus – Março de 2048 é tempo pra cacete !!! Até lá vou tá broxa !!! Por que pra Fernando foi tão adiantado e eu só depois de quase cinquenta anos ?!
- Bem, Mateus... – gagueja o canonizado – Ali é um caso especial, ele tem coragem pra chegar nas garotas, tem um certo charme, é esforçado em tudo na vida... (conclui baixinho) além de torcer pro meu Mengão !!!
O Diabo, impaciente, grita:
- Temos que resolver logo este pandemônio. Tenho muitas almas pra conquistar, muito que pentelhar por aí, meu tempo é sagrad... digo, meu tempo é valioso !!!
Mateus, em crise, expõe:
- Ai, não sei o que fazer. Sou cristão suficiente pra não assinar nada com o Capeta, contudo esperar até 2048 é dose !!!
Santo Antônio, com demasiado senso de justiça, dá sua cartada:
- Bem, Mateus... vou fazer o seguinte: posso adiantar seu nome aqui da lista e te pôr pra, deixa me ver aqui... (olhando novamente para a tela do aparelho, assobia algo) hum... 2016 tá bom pra você ?!
Num quase engasgo, o mencionado indaga:
- 2016 ?! Puta, tá muito longe ainda... não dá pra ser pra amanhã ou no mínimo ainda este ano...
O bendito, coçando sua careca:
- Meu devoto, entenda... Isto tudo é muito burocrático, não depende só de mim... Você ainda não merece o amor, ainda é imaturo pra coisa... (bufando, esmurra de leve uma imaginária mesa) Nem esta pança de cerveja você quer perder !!!
Mefis, batendo impacientemente a caneta no suporte que segura o papel:
- E então, infeliz, vai assinar ou não ?!
Mateus então se vê entre a promessa retardada de um santo e a tentadora proposta instantânea do Diabo:
- Não sei, não sei...
Santo Antônio, protocolar então, menciona:
- Meu filho, entrei em contato com meu Superior e entramos num consenso. Nossa proposta é esta: solidarizados com sua situação, decidimos que sua vez pode ser adiantada e talvez ainda este ano, no mais tardar ano que vem, pinte um esboço de amor para você. Mas isto vai depender muito de você. Melhore e as coisas melhorarão. As coisas não dependem só da gente. Nós, como orientadores e guiadores, apenas damos uma caminho, uma possibilidade, talvez apenas 40% do chamado acaso. O restante é com você, corra atrás, se espelhe nos seus amigos, siga seus conselhos, faça uma academia, melhore seus xavecos, perca a timidez, entre num curso de interpretação, tome mais banhos, varie nos perfumes, masculinize-se !!!!
Mateus engole o engasgo, o Diabo diz enfurecido:
- Qualé, camarada ?! Você vai dar ouvidos a estes blá-blá-blás de botequim, esta filosofia barata de almanaque, estas coisas de João Bidu, não é ?! Caralho, você pode ter a menina mais bonita que suas memórias pode recorrer, assim, num estalar de dedos, num piscar de olhos... E outra: quem garante que este santo não está blefando ?!
Santo Antônio se levanta de sua invisível cadeira:
- Peraí... pelo que saiba que é o pai da mentira é você, ser nefasto !!!
Mateus pede silêncio em mantra, ambos parecem obedecer:
- Ai, meu Deus...
- Deus te ouve, meu filho... – diz o santo – E certamente ele está ao meu lado. Mas você tem o livre-arbítrio para escolher por qual lado ficar...
- Pense nas beneficies que você terá neste momento... – permuta o Diabo.
- Devagar se vai ao longe, meu querido. Pense, Mateus... O amor que o Diabo promete pode ser volátil, algo sem nó. De que adianta sanar uma doença em imediato e não estancar o tumor ?! Pense no que lhe será grato, meu filho... Ela virá um dia, saiba esperar. Te garanto que virá, palavra de quem nunca te abandonou em momento algum... Ouço seu clamor todos os dias, em cada caminhada sua, segurando aquele chaveirinho seu com minha imagem... e sabendo deste seu desejo é que lhe preparo a mais belas das raparigas, mais bela que qualquer adjetivação do rei Salomão em seus Cânticos... Quem sabe não seja uma destas que responderá futuramente à um conto qualquer que você virá a escrever ?!
- Baboseiras, basbaquices vãs... Não ouça estas tolices, Mateus. O caminho mais rápido é o caminho mais certo, mais objetivo, mais concreto...
- O Diabo quer lhe persuadir, eu apenas proponho, deixando-o livre para optar pelo o que seu coração disser... Perdão é dignidade do nosso lado, mas lembre-se que o próprio Deus limitou-o à apenas setenta vezes sete... E reflita: amor, num momento destes de sua vida ?! Você mal tem um bom emprego, ainda vive às custas dos pais, recebe ordens imperiais de sua irmã, mal tem personalidade... Você ainda será grande, maior que qualquer jacarandá-rei, você ainda tá em lapidação, não queira as glórias do diamante quando você mal reluz quaisquer brilhos...
- Já Santo Antônio parece candidato em época de campanha: apenas promete com palavras bonitas, quer diagnosticar algo que virá, que poderá vir... Dou-lhe a possibilidade do agora, sem intervenções ou letrinhas miúdas. Eu mato a cobra e mostro o pau !!!
Mateus grita um “chega”. O Diabo então se pronuncia:
- Chega digo eu !!! Tou cansado deste seu cu-doce. Vem cá: você vai ou não assinar este caralho ?! (passando-o o contrato e tal caneta Bicão)
Nosso anti-herói quixotesco pega o contrato e a caneta, mas antes olha também para o semblante triste do santo. Este ainda parece acreditar num revés da situação. Sua postura cândida faz Mateus perguntar:
- Aquela história de consenso com Deus e as mudanças de plano em relação ao tempo de chegada da minha fofurex ainda tá de pé ?!
- Claro, meu filho, sempre estará...
- Assine logo, mentecapto... Tenho outras almas pra conquistar. Tem aí um tal de Tales que deve ser facinho de subornar. Ele não quer um amor, mas oferecendo qualquer níquel, certamente sai caroço daquele angu !!!
E instala-se um bafafá entre as entidades, Mateus sem saber o que fazer ou qual decisão tomar, medindo comedido as propostas, realmente tentado a inclinar-se para as labaredas do mal, contudo ainda cristão em suas dúvidas...

Então ele fecha os olhos, e ao abri-los, vê-se em sua cama, atordoado e batendo as mãos contra o peito, como que querendo conferir se sua alma ainda existia em seu abalável corpo... 

(2011) 

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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

TELEFONEMAS DE CARLA - parte I

TELEFONEMAS DE CARLA (parte I)
                                                                                                                      Daniel Pablo


Mexe, mexe, mexe, mexe com as mãos Chiquititas
Mexe, mexe, mexe, mexe com os pés Chiquititas
- O que? De onde está vindo esta merda de música? – Falou um vagabundo.
- Deve ser do palco – responde outro.
- Já vi que o nível do carnalapão caiu muito. Vamos embora que já são três da manhã, e Chiquititas ninguém merece – fala um terceiro.
Enquanto o grupo se dirige para a saída da festa, Mateus para na frente de todos e começa a rebolar freneticamente ao som da música infantil, e para surpresa geral as ondas sonoras emanavam de sua bunda!
COMO PODE ISSO?????? Se perguntavam todos. O cú de Mateus adquiriu propriedades cognitivas e agora canta? – indagavam alguns. Esse viado enfiou um rádio no toba? – pensavam outros mais realistas.
Mas o mistério foi logo solucionado, Mateus sacou do bolso traseiro de sua bermuda um moderno celular. Os seus amigos que o acompanhavam agora sabiam que a canção era o toque (e que toque gay) do novíssimo e modernérrimo aparelho que Teteuzinho havia ganhado de seus pais.  O cara estava radiante com a oportunidade de exibir o artefato para os seus camaradas, e principalmente por ter recebido uma ligação depois de um jejum de 20 dias.
Após 5 minutos com o celular tocando a chatíssima música, Mateus atende a chamada:
- Alozinhooooooooooooooooo!!!!!!!!!!!
- Mateeeeeeeeeeuuuss onde estaaaaaissss?
- Carla!? Tou aqui no Carnalapão, mas já estou indo, logo chego aí em casa.
- Não demore.
- Certo. Tchauzinho – Mateus se despede da irmã e encerra o telefonema.
Feliz com a oportunidade de utilizar seu presentinho, Mateus convida a todos para comer cachorro quente. Mas antes que nosso amigo pudesse cair de boca na salsicha (calma Duca, é a salsicha do hot dog), uma nova canção irrompe nos ares:
Vou pintar um arco-íris de energia
Pra deixar o mundo cheio de alegria
Se tá feio ou dividido
Vai ficar tão colorido
O que vale nessa vida é ser feliz ....”
Era novamente o celular de Mateus tocando, e o troço era tão avançado que tinha memória para armazenar muitas músicas e a cada ligação usava uma diferente como toque. Desta vez não demorou em atender:
- Alozinhooooooooooooooooooooo!
- Mateeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeus, onde estáis?
- Carla? Tou ainda em Lapão, vou fazer um lanche aqui com a galera e vou logo embora.
- Certo. Não demore.
- Tchau Carla.
O nosso herói achou estranho duas ligações seguidas de sua irmã, mas gostou, teve a oportunidade de atender seu celular, de ultima geração, perto de duas garotas que também se encontravam no carrinho de cachorro quente, só que as meninas não deram muita bola para ele.
Devidamente comido, o filósofo achadense se dirige tranquilamente pela pista até o ponto do ônibus, quando repentinamente sente uma vibração estranha em sua região glútea, assustado leva a mão ao local e descobre ser o celular. Intrigado, pega o aparelho e o abre, no visor observa que tem uma mensagem para ele. E que emoção! A primeira mensagem que recebe, pensa logo que uma garota enviou o texto, alguma menina que o viu na festa, e que por algum milagre descobriu o seu número. Mas que depressa abre a mensagem. E que decepção, era de Carla: “Mateus não demore. Estamos todos preocupados” (grande mentira, os pais do cara estavam dormindo e a irmã não gosta dele mesmo).
Refeito da frustração, Mateus entra no ônibus que o levará de volta para casa. Senta-se confortavelmente junto a janela. Está relaxado agora, o cansaço e a bebida lhe trazem um sensação boa, sente uma maresia deliciosa, já sonha com sua cama quente. No entanto, seus devaneios são interrompidos por mais uma música:
Telma eu não sou gay
Telma eu não sou gay
Era o celular mais uma vez, e Mateus atende:
- Alo?
- Mateeeeuuuuuuuuussssssssssssss onde estais?
- No ônibus Carla, no ônibus. Em 15 minutos chego em casa.
Desliga o aparelho e antes de coloca-lo no bolso outra canção toca:
Ser um homem feminino,
Não fere o meu lado masculino
Se Deus é menina e é menino
Sou masculino e feminino
Um pouco irritado, atende a nova chamada:
- O que é Carla?
- Não demore.
- Certo. Já já chego aí.
Desliga o celular. Apenas um segundo depois (como Carla conseguiu?):
Entre duendes e fadas
A terra encantada espera por nós
Abra o seu coração...”
Mateus mais uma vez atende:
- O que é Carla?
- Mateus você está demorando muito!
- Mas eu acabei de dizer que estou no buzão?
- Disse, mas esta demorando.
- Como demorando? Não tem um minuto que entrei no ônibus.
- Mas esta demorando.
- E tu que o que cacilda? Que eu já esteja aí? Porra! Eu estou em um ônibus, e não num avião supersônico, caralho!
- O ônibus já está andando pelo menos?
- Já. Ta andando sim, que ver ó?
Irritado Mateus liga a câmera de seu celular e debruçado na janela tenta filmar as rodas do veículo em movimento, enquanto faz isso berra no viva voz:
- Ta vendo Carla? O custipiu do ônibus tá andando. Agora me deixa em paz caralho!
            O destempero foi tamanho que quase nosso herói caiu do veiculo em movimento, só não tendo ocorrido uma tragédia pela intervenção dos outros passageiros, que seguraram Mateus pelas pernas, e a muito esforço trouxeram-no para dentro, ao mesmo tempo em que o mala do Achado  vociferava:
- Ta vendo Carla, o ônibus ta andando! Porra, me deixa em paz! Buceta! Diabo! Me erra desgraça!
O esforço e o esbravejamento foram em vão, a fraca luz do celular não foi suficiente para essa filmagem noturna dos pneus, e Carla não ouviu os impropérios, tinha desligado o telefone antes. Enquanto nos prendíamos Mateus na poltrona do corredor, com os cintos de segurança, o mesmo chorava copiosamente, e amaldiçoava o dia em que ganhara o celular.

  Em Irecê Carla gargalhava em sádico prazer.